terça-feira, 23 de abril de 2013

milagres de pyongyang


A Coreia do Norte opera um milagre. Embora seja um país bastante fechado, quase imperscrutável, embora as agências de notícias raramente se ocupem de seus costumes e dia-a-dia (excetuando-se uma caricatura aqui, outra ali), embora a maioria dos jornalistas estrangeiros nunca ande por lá, basta um fato – no caso, a elevação da tensão na Península Coreana – trazer o país ao noticiário para pipocarem, de todos os lados, ´especialistas` cheios de certezas sobre aquela nação asiática.
Um milagre, milagre.
Por esses dias, a Globonews exibiu um Sem Fronteiras enjoativo, tamanho o contraste entre a escassez de informação relevante e a descarga de adjetivos raivosos empregados pelo editorialista para caracterizar aquele regime e o seu líder, Kim-Jong Un. Muita opinião, muita ideologia, pouca análise, pouca investigação, pouca informação: em suma, isso que nos habituamos a chamar de jornalismo (algo na linha Seleções do Reader´s Digest).
Não vi coisa melhor noutros veículos.
Ator estadunidense, Gerard Butler protagoniza um filme que acaba de estrear no Brasil, o qual, por coincidência (coincidência?), dramatiza um ataque de terroristas norte-coreanos à Casa Branca. E ele nos ensina: “(...) no filme eles estão fazendo o que sempre fazem: sendo agressivos. Não estamos dizendo que eles são necessariamente maus. Estamos falando de terroristas” (O Estado de SP, 17/04/2013). Eis uma informação, também ela, inquietante.
Pouco sabemos sobre aquele país, de quase 30 milhões de habitantes e uma História que precede a Era Cristã. É difícil, ao menos para mim, avaliar o grau de compromisso do governo norte-coreano com a paz e a segurança internacionais. Podemos, no entanto, afirmar, pois a História o registra, que aquele país jamais lançou bombas atômicas noutro país. A Coreia do Norte nunca patrocinou a deposição de chefes de Estado estrangeiros, e não se envolve em conflitos bélicos desde a sangrenta guerra fratricida de 60 anos atrás. Uma guerra manipulada, de um lado e de outro, pelas nações que naquele então dividiam entre si a posse da Terra.
Não seria razoável, Mr. Butler, supor que a tensão atual (e a “agressividade” a que o senhor se refere) tenha lastro em feridas deixadas por aquela guerra que ninguém sabe ao certo se terminou?


Nunca andei por aquelas bandas, e não sei quantos dos nossos opinionistas de plantão lá estiveram. Mas, para alívio da nossa ignorância, o contribuinte brasileiro paga um sujeito para representar nossos interesses em Pyongyang, chefiando a embaixada do Brasil. O embaixador Rodrigo Colin, portanto, colhe informações in loco, e concedeu uma ótima entrevista ao Estadão, publicada no último dia 5/04.
Foi uma oportunidade de desconstruir o estereótipo grotesco, preconceituoso, de indisfarçável tonalidade etnocêntrica, que retrata os norte-coreanos como imprevisíveis, irracionais e suicidas.
Segundo o embaixador Colin, o principal objetivo das armas nucleares norte-coreanas é garantir a dissuasão. A legislação do país estabelece que elas só podem ser utilizadas para repelir uma invasão ou retaliar um ataque perpetrado por uma potência nuclear.
Aliás, nesse ponto, é preciso que se diga que a chamada comunidade internacional impediu a Coreia do Norte de obter um reator nuclear para fins pacíficos. O país não vive às escuras, hoje, por opção deliberada de seus líderes.
Mas volto ao embaixador Roberto Colin. Ele nos diz que os norte-coreanos aprenderam com a experiência de países que não puderam se defender, como a Iugoslávia, o Iraque e a Líbia, e não querem seguir o mesmo destino. Na lógica norte-coreana, diz o embaixador, as armas nucleares são a última garantia de que não serão atacados. Ou seja, o seu único instrumento de barganha.
Foi a existência de arsenais nucleares que, na Guerra Fria, tornou inexpugável a China comunista. É a existência de acesso a arsenal atômico que garante Israel, como garante a Índia e o Paquistão. Se os arsenais nucleares norte-americanos garantem a Coreia do Sul, quem garantirá a incolumidade do Irã e da Coreia do Norte? Esses países aprenderam que o Iraque foi devastado, destruído, não porque possuísse armas atômicas, mas por não as possuir.
Segundo o nosso embaixador, “O que eles [os norte-coreanos] desejam é a normalização das relações com os EUA e o reconhecimento do status de potência nuclear, como ocorreu com a Índia e Paquistão”.
Devo dizer que não me parece incompreensível ou inusitado que um regime, simpatizemos ou não com ele, busque a sua própria sobrevivência e a inviolabilidade do seu território. Estranho seria não fazê-lo. Estranho, por exemplo, é o Brasil não considerar, de fato, estratégico dispor de um programa espacial que ajude a garantir a defesa de seu território de mais de 8 mil km².
O representante brasileiro acrescenta que os norte-coreanos têm sinalizado com a disposição de realizar mudanças, mas que isso é muito difícil no cenário atual. Cito mais uma vez o embaixador Colin: “Caso EUA e Coreia do Sul persistam em colocar a condição de que primeiro o Norte tem que se desarmar para depois haver um diálogo, creio que o impasse continuará.”
Habituamo-nos a olhar para outros povos, suas culturas e seus governantes de maneira depreciativa, caricata, reagindo, como cães de laboratório, aos estímulos que nos enviam as agências de notícias do hemisfério Norte. Será que a Coreia do Norte, com as bravatas de seu líder máximo, não poderia operar um novo milagre, aos abrir nossos olhos para essa nossa infeliz condição?

segunda-feira, 15 de abril de 2013

maioridade penal


Todo assassinato é horroroso, e deveria causar indignação. Alguns, contudo – e a legislação reconhece isso – são especialmente horrendos, por envolverem circunstâncias agravantes, como o ‘requinte’ de crueldade ou a motivação torpe, fútil. Quando ganham as páginas e bytes do noticiário, crimes desse tipo costumam suscitar, em muitos de nós, desejo de vingança, e surgem vozes exigindo que o Estado realize, por nós, esse nosso desejo.

O roteiro é conhecido. Quando o criminoso é menor de idade, como nesse caso de latrocínio ocorrido outro dia em SP, o padrão é que vozes reivindiquem a panaceia da ‘redução da maioridade penal’. Ocorre que – dizem entendedores do assunto e digo eu também – esse tiro no crime, se por um lado poderia aliviar um tantinho nosso demônio vingativo, de pouco serviria para aumentar nossa segurança. É certo, ou bem provável, que a perspectiva da impunidade favoreça a prática do crime. No entanto, estão aí os números, a esmagadora maioria dos menores apreendidos não tem envolvimento em homicídio.

E há que se considerar que a maioridade penal terá, sempre, um bom grau de arbitrariedade. É como definir a idade em que as pessoas podem transar (e não esqueçamos: no século XIX as brasileiras eram casadas por volta dos quatorze!). A maioridade atual poderia ser adiada para os 21, coincidindo assim com o antigo marco da capacidade plena, e com um desenvolvimento mais avançado, dizem, do córtex cerebral. Poderia, também, ser reduzida para os 16, a idade a partir da qual podemos votar. Mas nada disso extinguiria a inimputabilidade: abaixo da idade estabelecida, todos estaríamos, por assim dizer, de mãos livres para o desatino. E, em qualquer hipótese, continuaríamos com esse sistema penitenciário que até o ministro da Justiça reconhece ser falido - apenas reduzindo ou aumentando sua exagerada superlotação, conforme o caso.

E então, o que fazer? Talvez apostar em outras medidas que pareçam mais efetivas no combate ao crime, como a redução do apartheid social e o uso de inteligência na repressão. Sem, porém, alimentar a ilusão de que iremos banir o horror de nossas vidas, de uma vez e para sempre.



domingo, 14 de abril de 2013

toda transação é um salto no escuro



Em Brasília não vige o sistema capitalista. Muito menos o socialista. Na verdade, não está claro que haja algum sistema. As coisas são como são e a gente vai levando, tentando fazer o que dá. 
Ou nem tanto.

sábado, 13 de abril de 2013

Espalhafato

Não sei se é impressão, se estou frequentando os lugares errados, mas parece haver, no mercado, uma hegemonia do espalhafatoso. Se você procura uma armação de óculos, se depara com uma pletora de formatos inusitados, tamanhos inverossímeis, tudo adornado por frisos assim e assado, de cores cítricas, às vezes fluorescentes. Isso na seção masculina. Uma vitrine de loja de material esportivo só pode ser contemplada de ouvidos tampados, tantas as cores gritantes. Já vejo o dia em que terei que recorrer a um contrabandista, na calada da noite, para obter, por um valor extraordinário, uma gravata preta.

 

Sobre uma polenta na TV




Se vivêssemos numa cultura em que fosse difundido o respeito ao próximo, o humor tolo e grosseiro do Pânico na TV poderia, na minha opinião, ter um caráter transgressor - e, desse ponto de vista, talvez até interessante (afinal, o contraste é uma bela arma do humor). Mas não é esse o caso. Aqui, na terra do 'farinha pouca, meu pirão primeiro', onde pouco se diz 'por favor', 'obrigado', menos ainda 'desculpe', e os espaços de uso coletivo costumam ser utilizados do jeito que a gente sabe, o que os caras fazem parece apenas uma caricatura do nosso comportamento cotidiano. Uma caricatura tão sutil, isto é, tão próxima do original, que nem passa como tal. Da mesma forma, a contra-intimidação de Gerald Thomas, enfiando a mão por baixo do vestido da menina, longe de transgressora, é apenas uma versão - talvez mais ousada, mas não necessariamente - do comportamento usual de muitos homens na balada. E ilustra, queira ele ou não, a tradicionalíssima noção de que 'se ela tá vestida assim, é porque tá querendo...'. Ou seja, aqui onde a regra é a reivindicação cotidiana do direito ao abuso, o encontro do Pânico com Thomas é simplesmente um espetáculo tedioso, com sabor de dèjá vu.