domingo, 22 de novembro de 2015

Levante no quartel de Abrantes

Assim como é conversa fiada a história de que um gesto de Fernando Gabeira - gesto meio arrogante, e a meu ver tingido de certo preconceito - apeou Severino Cavalcanti da presidência da Câmara dos Deputados, há uma década, também dista da verdade o conto segundo o qual a deputada Mara Gabrili, com a força de sua voz tíbia, teria sido decisiva para o momentoso esvaziamento do plenário daquela Casa, na tarde da última quinta-feira (19/11) - protesto que vem sendo apontado como o começo do fim da Era Cunha. Ora, o desgaste de Don Cunha não teve início agora. O audacioso político carioca vem dando mostras de desconhecer - ou, em todo o caso, ignorar - uma lição fundamental lapidada nas ruas do Rio de Janeiro, qual seja: "malandro demais se atrapalha"; da qual decorre o sábio conselho: "malandragem, dá um tempo..." 

Demais disso, até a relva da Esplanada sabe que Gabrili era, até outro dia, cupincha de Cosentino Cunha, e que seu partido, o PSDB, liderado na Câmara pelo inefável Carlos Sampaio, engrossava a tropa de il Capo, na esperança (vã), de um impeachment que lhe restituísse a eleição perdida.

Não se pode, porém, negar que Gabrili demonstrou um grande senso de oportunidade, seguindo a re-orientação de sua agremiação partidária, que agora busca aproveitar o vácuo - ético, moral, político - deixado pelo apoio envergonhado e vergonhoso do PT, o PT de Sibá (esse agrupamento amedrontado e constrangido que pouco lembra o aguerrido partido de outrora) à permanência de Cunha et caterva à frente da Casa do Povo.

(Justiça seja feita a deputados petistas que corajosamente rechaçam o opróbrio, como Henrique Fontana, Maria do Rosário, Wadih Damous e Margarida Salomão, entre outros.)

Na sessão de quinta-feira, quando a fala infantil de Gabrili irrompeu pedindo "por favor" que seu querido Cunha se afastasse da presidência, o parlamentar já estava sob o fogo de dezenas de colegas, de quase todo o espectro ideológico, que repeliam sua mais nova manobra inaceitável em causa própria. Mas foi na bela deputada que nossa grande mídia identificou o símbolo ideal desse "Fora, Cunha" que se afigura irreversível: frágil em sua condição de cadeirante, ela é algo assim como Davi contra Golias. 

Musa anódina e inofensiva, Mara simboliza a esperança de que a mudança venha - mas venha como no romance de Lampedusa, deixando as coisas como estão.



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