sexta-feira, 10 de julho de 2009

perdido tempo


Ela me apareceu na sala metida numa blusinha justa, estampando uma fotografia indescritível da Banda Calypso. Desfilou cantarolando não sei que sobre meu jeito louco de dizer amo você.  Para piorar, o troço era baby-look, e os pneus de caminhão que lhe sobravam dos lados, bem como o barril frontal, davam clara notícia de que a única academia que aquela dona prezava era a academia do chopp. Ela não sabia o quanto estava ridícula; ou, se sabia, o que menos fazia era se importar. Olhou-me com o ar afetado de superioridade que o lúmpen por vezes assume perante o intelectual, fantasiando que o hábito de ler e refletir seja sinônimo de pusilanimidade. Com isso perdi de todo o apetite – embora o aroma chegado da cozinha anunciasse um guisado fenomenal. Sentei-me ou prostrei-me no sofá, e apanhei desolado, ao acaso, um LP de Chico Buarque. Na capa de Vida, o artista de olhos de ardósia devolvia-me u’a mirada enigmática, quase severa, de indisfarçável melancolia. Entendi que me dizia ser hora de partir em busca do tempo perdido. Assenti e desabafei – inutilmente, por suposto – com a imagem do jovem compositor: “– E dizer que estraguei anos de minha vida, que eu quis morrer, que tive meu maior amor, por uma mulher que não me agradava, que não fazia o meu gênero!”