As 10 propostas do Ministério Público contra a
corrupção, que compreensivelmente encantaram milhares de corações e mentes
nesta quadra infeliz da nossa História, têm pontos aproveitáveis, mas são ruins
no geral. No atacado, o seu problema é, em primeiro lugar, apostar na hipótese
segundo a qual penas maiores, mais severas, garantem um maior cumprimento da
lei, quando a experiência tem ensinado, ao longo do tempo, que o maior
cumprimento da lei está associado, sobretudo, ao temor da punição. Em segundo
lugar, as propostas passam ao largo de uma das grandes causas da impunidade,
que é a morosidade do Judiciário decorrente de sua própria ineficiência (ou
eficiência seletiva) – para não falar dos desvios de conduta de seus membros.
Ora, a resposta que nos oferecem
os diligentes procuradores sensíveis à luz dos holofotes é: há corrupção porque
há garantias demais (algo semelhante ao argumento da escola econômica
hegemônica, de que não há crescimento porque há direitos trabalhistas em
excesso). E aí, taca-lhe pau no habeas corpus, na prescrição penal, na
presunção de inocência e, afinal, no direito à ampla defesa.
Das medidas do MP, se mantidas
intocadas e tornadas lei, emergiria um Poder Judiciário hipertrofiado, impune em suas falhas,
autorizado a julgar “boa fé” com base em pura subjetividade, e até mesmo com
base em provas ilícitas! No varejo, as propostas trazem a banalização do crime
hediondo, o estímulo à disseminação de práticas persecutórias no ambiente de
trabalho e, inclusive – pasmem! – a possibilidade de criação de uma verdadeira
indústria de denúncias, na medida em que preveem uma retribuição ao reportante
de um percentual do montante restituído ao erário em razão da denúncia.
Ou seja, o mínimo que se pode
dizer das propostas do MP é que elas dão margem a muito debate. O fato de serem
discutíveis, contudo, não justifica o descalabro a que assistimos, neste momento,
na Câmara dos Deputados. Ora, o relatório de Onix Lorenzoni, aprovado pela
Comissão Especial na madrugada passada, foi colocado sorrateiramente na pauta
de hoje do plenário, e já está em discussão como matéria urgente. Por que essa
sangria desatada? Talvez seja – até as baias de compensado da casa de leis o
sussurram – porque também hoje, 24 de novembro, Marcelo Odebrecht deve concluir
seu acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República – delação
esta que, dizem os jornais, pode atingir mais de uma centena de políticos,
incluída a cúpula do governo do Sr. Michel Temer, a começar pelo próprio. A
pressa é, portanto, compreensível: assim à sorrelfa, dá para imiscuir no
projeto uma modificação na Lei de Lavagem de Ativos que permitiria, na prática,
uma interpretação favorável à anistia ao crime de Caixa 2, algo que Renan
Calheiros e seus sócios aguardam, no outro lado da Esplanada, com ânsia
expectante.
Em suma, as propostas de membros do
Ministério Público alçados à condição de salvadores da pátria são, no geral,
perniciosas; mas a resposta que a base aliada do governo bandoleiro desenha no
plenário da Câmara é simplesmente espúria.
São tempos áridos. Tempos de
murici.
(Imagem: Hieronymus Bosch. "The Haywain Triptych")
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