sexta-feira, 10 de abril de 2009

sim não (o quarto do tio)


(O Adriano foi na mosca, ou numa das moscas pelo menos, ao apontar a ambiguidade entre atração e repulsa em trechos de Cassandra que postei aqui. O tema dá pano pra manga; sempre deu. Ilustro isso com excerto de um clássico de Zélins, rubro-negro de escol, com itálicos por minha conta. Adriano, lembre as estantes do Lupin - inside joke familiar para deixar os outros 3 encafifados.)

"O quarto do meu tio Juca vivia trancado de chave o dia inteiro. Ali só entrava a negra que lhe fazia limpeza e mudava as roupas da cama. Mas quando aos domingos descansava na sua grande rede do Ceará, de varandas arrastando no chão, eu ia ter com ele. O meu tio me punha ao seu lado, fazia brincadeiras comigo. Era o único sobrinho com quem se dava de intimidade. Ele tinha muita coisa para me mostrar: os seus álbuns de fotografias, os seus livros de muitas gravuras, O Malho, que assinava, cheio de gente de cara virada pelo avesso. Lia as histórias todas d'O Malho, com retratos dos políticos e com um Zé-Povo que tinha resposta para tudo.

- Ali não bula, me dizia, quando eu tocava por acaso num pacote embrulhado em cima da cômoda.

Num dia em que ele me deixou sozinho, corri sôfrego para o objeto da proibição; uma coleção de mulheres nuas, de postais em todas as posições da obscenidade. Não sei para que meu tio guardava aquela nojenta exposição de porcarias. Sempre que sucedia ficar sem ele no quarto, era para os postais imundos que me botava. Sentia uma atração irresistível por aquelas figuras descaradas de meu tio Juca.

Uma vez em que ele se demorou mais tempo, por não sei onde, entretive-me com as gravuras muito tempo. O meu tio pegou-me de surpresa com o pacote na mão. Botou-me para fora do seu quarto. Eu não era digno da sua intimidade, dos segredos de sua alcova. Mas ficava-me de seus aposentos uma saudade ruim daquelas mulheres e daqueles homens indecentes."

(Menino de Engenho, José Lins do Rego)

2 comentários:

  1. Lembrei-me de tio Val me pilhando e incentivando, rindo, à fuçar as revistas de Lupin.

    Ele dizia, como se raciocinasse por mim:
    - Daqui não vem ninguém, de lá muito pior...

    e caia na gargalhada.

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  2. Todo mundo já teve isso um dia. Eu olhava as revistas e fotos do meu primo beeeem mais velho. Também achava obsceno, mas não consegui deixar de olhar...

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